Eterna aprendiz

Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As repostas nos permitem andar sobre terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido" (Rubem Alves)

domingo, maio 29, 2005

O DESEJADO PERGAMINHO



“Decepção não mata, ensina a viver.”(Provérbio)

Infância alegre e feliz à lembrança remete de brincadeiras que caíram em desuso. Jogos que não podiam ser individuais, mas apenas coletivos, e que por conta disso já nos ensinavam a magia do fazer em grupos, do construir equipes, do formar times.
Peripécias cultivadas com mãos arteiras e pés descalços; bolas, piões, pipas e bonecas; joelhos esfolados, galos na cabeça; frutas na copa das árvores, plantar bananeira. Tudo interrompido apenas pelo compromisso da lição de casa, ou “o dever”. Ditado e tabuada, nomes de rios e de presidentes. Feito isso, podia-se aproveitar mais um pouco do luar que iluminava as ruas e da brisa que as varria.
Anos depois, adolescência plena, os ditados viraram redação, e as tabuadas, equações. A educação apropriou-se do expediente dos “trabalhos” como metodologia. Construir instrumentos musicais com materiais descartáveis, elaborar um informativo a partir de notícias recortadas de jornais e revistas. Tarefas prazerosas, respectivamente, para aqueles dotados de talento artístico e editorial. Tarefas desgostosas para os mesmos, em papéis inversos, quando não as apreciavam.
Um salto no tempo e a memória vislumbra noites que avançam madrugadas adentro, livros no colo, refrigerante de cola no copo, olhos cansados, temas diversos sendo estudados para avaliações rotineiras chamadas “provas”, como quem denuncia que devemos comprovar que entendemos, que decoramos, mas não necessariamente que aprendemos.
Ensino médio que vai, vestibular que passa, faculdade que chega. Os ditados, que outrora se transformaram em redações, agora evoluem para teses e monografias. As tabuadas, antes promovidas a equações, ganham o status de cálculos diferenciais e integrais.
Na infância, você questiona o porquê de memorizar os nomes dos rios. Mas, tudo bem, aceita fazê-lo para granjear uma boa nota e, por conseguinte, o sorriso estampado no rosto de seus pais.
Na adolescência, você se pergunta os motivos pelos quais deve estudar química se pretende ser um historiador; biologia, quando deseja ser engenheiro. Mas, tudo bem, supera mediocremente as aulas e avaliações, afinal, na faculdade estará isento deste “destempero”.
No ensino superior, custa-lhe aceitar que cálculos estatísticos tenham que ser conduzidos a partir de fórmulas matemáticas quando o computador está à disposição para apontar o resultado em uma fração de segundos. Mas, tudo bem, você aceita mais esta, tudo porque está desde sua mais tenra idade em busca do desejado pergaminho: o diploma.
Na trajetória pela conquista do canudo, documento com a capacidade singular de anunciar ao mundo as qualidades e competências pretensamente adquiridas, tal qual divisas que ilustram uniformes de oficiais, desperdiçamos o prazer do estudo, o sabor do aprendizado. Com olhos fixos na almejada copa da árvore, a mesma onde colhíamos jabuticabas, e mangas, e goiabas, e onde o poder agora parece nos aguardar, esquecemos da amplidão da floresta, perdemos a magia da diversidade.
Diploma em punho, vem a decepção de que ele nada garante, seja a percepção de conhecimento, seja a segurança de um emprego. A descoberta maior é de que ele é insuficiente. E, agora, talvez até indesejável, porque embotou sonhos e talentos do passado. Frustração com gosto de traição.
As portas foram apenas destrancadas, mas devem ser abertas por dentro de cada um de nós. Se você puder resgatar sonhos e talentos, não apenas na memória, mas também na ação, poderá refletir: “Vivi. E aprendi a viver”. ( Tom Coelho )

sábado, maio 28, 2005

FORÇA SUPERIOR



texto de Antonio Carlos Nicolielo
Desde que nos conhecemos, deram-nos a idéia de que Deus era um senhor justo, mas ao mesmo tempo enérgico, pronto para nos castigar se saíssemos da linha, endereçados ao céu ou inferno, segundo nosso comportamento.
Com o tempo, percebemos, no decorrer da vida, que Ele não é palavra.
Ele não é ensinado.
Ele é simplesmente sentido.
Ele não está presente naqueles que esgoelam em púlpitos, mas sim na voz da professora que ensina crianças pobres em lugares distantes.
Não está naquela pasta preta de deputados em Brasília, mas naquela marmita fria que alimenta cortadores de cana e carvoeiros.
Não está no colar de diamantes da senhora bonita, mas nas contas gastas do terço da velhinha que morre só num asilo.
Não está naquela luz forte que incomoda os torturados, mas no brilho suave de uma estrela distante.
Não está nos olhos da mocinha no shopping, mas no olhar triste da prostituta que se lembra da boneca da infância.
Não está nos braços fortes que espancam crianças em febens, mas nas mãos daquele que oferece sopa numa noite fria.
Não está na Bíblia, mas na mão calejada que revira suas páginas escolhendo um nome para o filho que nasceu morto.
Não está nas músicas da FM, mas no canto triste do homem fugindo da seca.
Não está nas bundas das mocinhas dos conjuntos de pagode, mas no corpo magro da mulher que lava roupa no rio.
Não está num site da internet, mas na cartilha suja do menino pobre.
Não está no dedo no gatilho, mas no indicador que ensina um caminho.
Está naquele vira-lata magro que revolve o lixo.
Está na bosta de vaca que vira esterco e alimenta plantas.
Está na mão do mendigo que pede moedas.
Está nos olhos tristes de um palhaço.
Está naquele toco de lápis do analfabeto aprendendo as primeiras letras.
Está no peixe do rio.
Está no olhar do boi branco a caminho do frigorífico.
Está na paciência das professoras da APAE.
Está na vassoura dos que varrem as ruas de madrugada.
Está na perna rápida dos lixeiros.
Está no cobertor do homem caído na rodoviária.
Está numa ninhada de gatinhos novos.
Está nas mãos da freirinha loira das missões na África.
Deus não é grande coisíssima nenhuma.
Ele é um átomo invisível presente no coração das coisas simples.

sexta-feira, maio 20, 2005

** Somos livres para escolher, mas prisioneiros das conseqüências **

MORRE LENTAMENTE

Morre lentamente
quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos,
quem não muda de marca,
não arrisca vestir uma cor nova
e não fala com quem não conhece.

Morre lentamente
quem faz da televisão seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o escuro
ao invés do claro e os pingos nos ís
a um redemoinho de emoções,
exatamente a que resgata o brilho nos olhos,
o sorriso nos lábios e coração ao tropeços.

Morre lentamente quem não vira a mesa
quando está infeliz no trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto,
para ir atrás de um sonho.

Morre lentamente quem não se permite,
pelo menos uma vez na vida,
ouvir conselhos sensatos.

Morre lentamente quem não viaja,
não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem
passa os dias queixando-se da sua má sorte,
ou da chuva incessante.

Morre lentamente quem destrói seu amor próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem
abandona um projeto antes de iniciá-lo,
nunca pergunta sobre um assunto que desconhece
e nem responde quando
lhe perguntam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em suaves porções,
recordando sempre que estar vivo
exige um esforço muito maior
que o simples ar que respiramos.

Pablo Neruda

Pensem nisso! Tenham todos um ótimo final de semana!

sexta-feira, maio 13, 2005

quarta-feira, maio 11, 2005

METAMORFOSE AMBULANTE

A evolução das espécies é uma teoria e um fato. O que muitos de nós não notamos é que também no mundo corporativo, e em nossa vida pessoal, existe uma seleção baseada na capacidade de nos adaptarmos à empresa em que estamos e, até mesmo, aos caprichos do coração, em nossos relacionamentos pessoais. Tom Coelho trata deste assunto neste excelente artigo.

“Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou.
Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor.”(Raul Seixas)
Foram necessários dezoito séculos para que a teoria geocêntrica, segundo a qual a Terra era o centro do Universo, formulada por Aristóteles, desse passagem para o modelo heliocêntrico de Nicolau Copérnico, com os planetas girando ao redor do Sol.
Com todo seu conhecimento e reputação, o mesmo Copérnico, que defendia a órbita circular dos planetas, teve sua tese desfeita em 1609 por Kepler, que demonstrou serem as órbitas elípticas.
A história da humanidade é repleta de passagens como estas. São os chamados paradigmas, que designam modelos científicos aceitos por longo período e que determinam todo o desenvolvimento posterior das pesquisas e das idéias.
Na vida em sociedade somos igualmente regidos por modelos, padrões, normas, regras, leis. E a inclusão social demanda acatá-los todos. E adaptar-se.
A desobediência à Constituição torna-nos infratores, criminosos que devem ser punidos. A inobservância às tendências da moda torna-nos excêntricos, seres abjetos que devem ser renegados.
Estamos produzindo pessoas customizadas, que não pensam, não refletem, não elaboram, não opinam. Pessoas sem identidade, ou melhor, com a mesma identidade de todas as demais. Pessoas enquadradas, presas a um plano bidimensional. A clonagem chegou ao cérebro antes do corpo físico.
Lidere, Siga ou Saia da Frente. A teoria evolucionista de Charles Darwin baseava-se nos seguintes fatos. Os seres vivos reproduzem-se em progressão geométrica, mas como o número de indivíduos de cada espécie tende a permanecer relativamente constante, significa que há uma luta pela vida na qual sagra-se vencedor o mais adaptado ao meio-ambiente.
Quando olho para o mundo corporativo de hoje enxergo com nitidez a aplicação da tese darwiniana. O número de trabalhadores multiplica-se exponencialmente, mas como a quantidade de empregos tende a permanecer estável, ou até se reduzir, identificamos uma luta pela inserção profissional onde conquista a vaga não o melhor, mas o mais adaptado ao meio-empresa.
O mais adaptado pode sê-lo porque foi indicado por alguém influente, porque estruturou bem seu currículo, porque se comportou adequadamente na dinâmica de grupo, porque deu as respostas precisas às velhas questões formuladas durante a entrevista, porque durante todo o processo usou roupas com o corte certo e o perfume na quantidade necessária.
O mais adaptado pode não ser o melhor tecnicamente, o mais preparado ou o mais competente. Foi apenas o mais flexível, dentro de sua mediocridade e de sua hipocrisia calculadas. Importa que ele foi o vencedor...
Se você tem personalidade suficientemente forte, pode ingressar no “sistema” com base no modelo descrito acima. Para tanto, terá que declinar momentaneamente de algumas de suas idéias para, num segundo estágio, trazê-las à tona buscando influenciar os que o cercam. Primeiro você se adapta ou denota ter-se adaptado. Depois, propõe um novo modelo e o conduz. Assim são forjados os líderes corporativos de hoje.
Mas este pode não ser o seu perfil de modo que você, uma vez adaptado, assim permanecerá. Assim é a maioria. Assim são os liderados.Há evidentemente a classe daqueles que não se adaptam, nem para liderar, nem para serem liderados. Estes são os negligenciados.
Idéias e Ideais- Há uma distinção entre idéias e ideais. Não precisamos ficar presos aos mesmos argumentos quando outros, mais convincentes, nos visitam. É preciso praticar a flexibilidade. Keynes dizia: “Quando mudam os acontecimentos, mudo de idéia”. Mas não se deve mudar de opinião se não se pode mudar também a conduta.
Já princípios são inegociáveis. Foi a luta pelo ideal de liberdade da Escócia que fez com que William Wallace preferisse sua execução a jurar lealdade à Inglaterra, como bem retrata o filme “Coração Valente”, estrelado por Mel Gibson.
Como exemplo desta metamorfose ambulante que somos, nada melhor que o próprio amor e suas idiossincrasias. A tênue linha que separa amor e ódio, atenção e indiferença, carinho e omissão.
Garcia Marques nos ensinou que amamos outra pessoa não por quem ela é, mas por quem nos tornamos na sua presença. “Amar”, disse Mário Quintana, “é mudar a alma de casa”. Muitos são os lares que a vida nos reserva...

domingo, maio 08, 2005

As crianças crescem independente de nós como árvores tagarelas e pássaros estabanados. Crescem sem pedir licença à vida.
FELIZ DIA DAS MÃES!

continuação...

sexta-feira, maio 06, 2005

Paços...Onde meus passos nunca pisaram.

Os pensamentos me chegam de forma inesperada, sob a forma de aforismos. Aforismos são visões: fazem ver, sem explicar. Aforismo que repito sempre:
“A imaginação é a voz do atrevimento”. Hoje, de repente esse aforismo me atacou.

Somente um passo e encontro-me em Paços, sem nunca ter estado lá.
Conheço Paços, que passa pela minha imaginação,
Numa viagem passageira,
Paços, que passa pela galeria,
Paços, que passa pelos passos das vizinhas compatriotas,
Paços, nos passos dos políticos,
Paços, do lar dos velhinhos,
Paços, pelos passos do embalo da disco,
Paços, pelos passos polêmicos de jovens apologistas,
Paços, pelo impasse do ponto G,
Sabe se que existe, mas não se sabe onde fica,
Paços, pelo passe de futebol,
Paços, de cores verde-amarela,
Paços, pela doçura dos passos de uma criança,
Francisca, minha pequena xará,
Quanta coincidência!
E os que nascem em Paços,
Serão sempre pacenses,
Uma justaposição de Paços mais presentes,
Ou serão passados?
Ah, se Paços fosse música,
Fosse samba,
Seriam eles, eternos passistas!
Esta é Paços que conheço,
Onde os meus passos nunca pisaram.

domingo, maio 01, 2005

O PRAZER DA LEITURA

Ler é fazer amor com as palavras. E essa transa literária se inicia antes que as crianças saibam os nomes das letras. Sem saber ler elas já são sensíveis à beleza. E a missão do professor? Mestre do kama-sutra da leitura...
“Analfabeta não é a pessoa que não sabe ler. É a pessoa que, sabendo ler, não gosta de ler.“ (Quem foi que disse isso? Acho que foi o Mário Quintana).
Graciliano Ramos relata que, quando menino, na escola lhe ensinaram um ditado: “Fale pouco e bem e ter-te-ão por alguém“. Ele repetia o ditado mas ficava com uma dúvida: “Quem será esse ‘Tertião’?"

Acessos:

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