Eterna aprendiz

Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As repostas nos permitem andar sobre terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido" (Rubem Alves)

quinta-feira, abril 21, 2005

ETERNA ORQUESTRA SONORA

Vivemos enamoradas já há muito tempo. Gosto de senti-la, escutá-la, perceber suas nuances, sutilezas e tonalidades.
É um casamento perfeito. Acho que posso até dizer que jamais cansei dela. Ela é grande companheira.
Sabe ser romântica, revolucionária, simples ou sofisticada. Parece saber quando e como preciso dela. Não consigo me imaginar separada e, por isso, dia após dia, declaro meu amor a ela: o nome desta paixão é música.
Somos música desde o primeiro movimento que nos gerou, pois música não é apenas melodia organizada, mas também sons, gemidos, sussurros, falas.
Música é som. Som é movimento. Movimento é vida. Duvidam vocês que o espermatozóide e o óvulo que nos geraram tinham uma trilha sonora própria? Tente imaginar-se um ser microscopicamente dotados de ouvidos internos, e sinta a intrépida melodia do agente yang, roqueiramente buscando sua chamada ying, óvulo que o espera com uma doce melodia de passividade romântica.
E depois do encontro um súbito e quase inaudível tamborzinho tribal dá suas primeiras batidas de vida, anunciando o novo ser que surge.
O micro ser já escuta lá de fora carinhosas melodias que lhe parecem direcionadas. E, por dentro, na medida em que cresce no útero da mãe, já tem faixas musicais preferidas: a batida do coração materno, o som do alimento que chega, o silêncio...
Certo dia, quando tudo parecia o paraíso, ouve os sons dos “de fora”, com mais nitidez e, de repente, uma robusta trilha sonora. Mais tarde conhecerá esta estranha canção chamada choro. Choro de quem chegou, e que depois se transformará em riso, choro, riso, pêndulo rítmico da vida.
E, aos poucos, e cada vez mais, a música vai se instalando nos músculos, olhos, nervos, ouvidos, cabelos, coração...
Tudo que vibra gera música. Então como falar da importância da música para nós? Como, se todo o cosmos é simplesmente música? Desde a dança dos planetas até o canto minimal de uma pedra, somos essencialmente música. E´se somos música, somos a própria importância.
Vem a pré-escola. Aprendendo a civilizar-se, a criança aprende vários princípios de organização. E lá novamente está nossa musa cantando e encantando. Por vezes, travestem nossa homenageada com feios trajes, que desmerecem a pureza das crianças.
Queira Deus que os pequeninos possam curtir cada vez mais, música de boa e verdadeira qualidade. Música que ajuda desreprimir movimentos, expressividade, e até produzir valores morais, sem ser moralista.
O pequeno ser crescerá em meio a uma vasta floresta sonora. E sua adolescência será povoada que jamais esquecerá: redes sonoras de apoio e euforias e decepções românticas; atitudes e celebrações coletivas.
O pós- adolescente entrará no mercado de trabalho, na selva humana competitiva e alucinada. Novamente está a música lá, acalmando, criando identificação com momentos e movimentos, provocando reflexão, catarse, contatos reais com o universo dos sentimentos.
Dama da invisibilidade, amiga do coração, princesa sonora. As plantas também te amarão ou murcharão, se te usarem mal...
Nas biodanças, nas musicoterapias, nas discotecas, nas escolas, vento divino que sopra e sensibiliza. Música,é para ti esta homenagem.
E quando enterrarem o meu coração na curva do rio, antes do último suspiro, beberei pelos ouvidos o som das águas e o canto dos pássaros; o som dos grilos e o silêncio da montanha, eterna sinfonia que sempre me ajudou a sentir que faço parte, parte e instrumento da grande orquestra sonora.

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